Esta é a minha frase favorita da letra de Nelson Motta na música
composta por Lulu Santos “Como uma Onda”. Usando a metáfora das ondas no
mar, a música fala sobre a mudança constante que vivemos, mostrando
como nada é permanente. Nesta frase, ela nos lembra do medo que temos
das mudanças dizendo que não adianta tentar se esquivar e acrescenta que
“agora há tanta vida lá fora, aqui dentro, sempre, como uma onda no
mar”.
Esta feliz associação da impermanência com a vida em sua plenitude,
desafia nosso medo e nossa tentativa ilusória de manter as coisas como
se elas não fossem mudar, e também nos mostra que este movimento de
constante mudança é a própria beleza da vida.
Talvez gostaríamos que a vida fosse como aquelas estórias que nos
contavam quando éramos crianças que terminavam em “e foram felizes para
sempre”. Mas as coisas não são assim. E se formos observar o desenrolar
de tudo que vivemos, veremos que quanto mais nos apegamos a esta falsa
noção de felicidade e segurança mais criamos as condições para
sofrermos.
“Não adianta fugir, nem mentir”. A mudança é a realidade de nossas vidas
e não aceitar este fato é perder a oportunidade de ver que “há tanta
vida lá fora, aqui dentro, sempre”. Mudança é vida mesmo quando ela
implica em profundas perdas que nos chegam, até mesmo, como morte.
Vivemos nesta contínua experiência de nascer e morrer a cada instante,
na maioria das vezes suave e invisível, mas em outras tremendamente
forte e chocante. Se conseguirmos nos familiarizar previamente e
compreender esta realidade, poderemos lidar com as mudanças de forma
mais lúcida, menos sofredora e diria até que vibrante.
Na verdade, não é difícil entender que as coisas mudam. O problema
começa quando não queremos permitir as mudanças das coisas e procuramos
fazer com que as situações sigam segundo nossos desejos. Esta
dificuldade surge porque não realizamos emocionalmente a sabedoria da
impermanência. E o que nos impede disto é o apego emocional. Para lidar
com este apego é preciso um trabalho maior consigo mesmo, onde o nosso
entendimento intelectual da impermanência penetre cada vez mais nossas
experiências emocionais. Com a devida prática podemos alcançar uma
tremenda liberdade diante das mudanças, não resistindo mais aos
movimentos da vida, assim como um surfista que ganha a habilidade (e a
alegria) de surfar uma grande onda, dançando no seu movimento, mesmo com
todos os riscos que isto implica.
O primeiro passo para desenvolver esta habilidade emocional é não negar a
impermanência, não tentar colocar ela debaixo do tapete e olhar para o
outro lado. Muito pelo contrário, devemos contemplar a impermanência nas
menores coisas possíveis e nos familiarizar com sua realidade permeando
tudo a todo instante. Quanto mais nos familiarizarmos com este processo
mais saberemos nos tornar destemidos e tranquilos com todas as mudanças
que podemos passar.
Você pode perguntar se tem que fazer isso até mesmo com as coisas boas
que está vivendo. E eu diria que principalmente com elas. São as
situações boas que vivenciamos sem a sabedoria da impermanência que nos
causam sofrimento quando elas acabam. Contemplar a impermanência nos faz
perceber que toda esta solidez e realidade que damos às coisas e às
experiências não têm fundamento. Tudo neste mundo como objetos, pessoas,
sentimentos e pensamentos são fenômenos que surgem, ficam por um tempo
e, depois, desaparecem. E não é muito inteligente colocar nossa
confiança e suporte em coisas assim.
Pode parecer desalentador perceber isso e podemos achar que pensar desta
forma vai nos tirar o prazer de viver. Mas, por exemplo, nós nos
dispomos a ir ao cinema e nos emocionarmos com as alegrias, tristezas,
excitações e tensões de um filme, sabendo que aquilo é apenas um filme e
mesmo assim não deixamos de sentir estas emoções. E nós nos permitimos
vivenciar isto porque nossa base existencial não está fundamentada no
que se passa na tela, sabemos que aquilo não tem realidade e que não
pode nos afetar verdadeiramente. E, cientes disso, além de nos
divertirmos bastante, muitas vezes, após o filme ainda nos vemos
profundamente influenciados pelo que assistimos.
Na medida em que contemplamos e meditamos na impermanência podemos
descobrir que em meio a todo este movimento e instabilidade, há algo que
está sempre presente: a lucidez de nossa mente livre. Quando libertamos
nossa mente das ilusões sobre a realidade das coisas, descobrimos esta
lucidez que explora destemidamente todo tipo de experiência.
Sem esta lucidez somos como um passarinho que vive numa gaiola com a
porta aberta e que, por medo, não consegue sair. Sem esta lucidez somos
como alguém que esqueceu que entrou numa sala de cinema e está apenas
vendo um filme. E que, ao se identificar com a estória, os personagens e
o ambiente do filme, acaba aprisionado pelas suas emoções diante dos
acontecimentos que surgem da mágica exibição de luz e sombra, achando
que esta é sua única realidade.
ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução
do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na
área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de
meditação e contemplação da tradição budista.
http://a-arte-do-estresse.blogspot.com/